A missão de Santa Paulina com mulheres começou a tomar forma por meio de acolhimento, atenção especial e cuidados, em especial, com enfermas, deficientes, idosas e órfãs. Junto com sua primeira companheira, Virgínia Nicolodi, Amábile fez a diferença na vida de tantas e, nos dias de hoje, ainda deixa seu legado nos espaços de atuação da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (CIIC).
Ângela Lúcia Viviani, portadora de câncer terminal, foi levada por Amábile e Virgínia ao pequeno casebre em Vígolo, Nova Trento (SC) e, no local, lhe ofereceram todo cuidado para seu bem-estar físico e espiritual até o fim de sua vida. Depois da morte de Ângela, acolheram uma idosa que permaneceu durante quatro anos com elas. Mais tarde, outra mulher em estado de câncer avançado e ainda gestante, que posteriormente deu à luz a uma menina, recebeu atenção de Amábile e Virgínia. Outra que ganhou os cuidados das duas companheiras foi uma menina com transtorno mental, que mordia quem se aproximava dela e a si mesma, se recuperando, voltou ao convívio familiar e recebeu a Primeira Eucaristia.
Formação religiosa a grupos de meninas, ensinamento de leitura e escrita, auxílio nos cuidados de filhos(as) de mães que trabalhavam também fizeram parte da missão de Amábile, Virgínia e Teresa, que posteriormente formaram o trio fundacional da CIIC. Em Nova Trento, logo começaram a acolher órfãs, idosas e mulheres com deficiência, abrindo uma pequena escola para catecismo, alfabetização e costura, que gradativamente vai recebendo mais mulheres interessadas na proposta.
Com o crescimento deste grupo e a necessidade de que o trabalho fosse autossustentável, em função das dificuldades financeiras da época, Amábile e uma Irmã passaram alguns dias em Brusque (SC) visitando fábricas, a fim de adquirir conhecimentos. Quando retornaram a Nova Trento, criaram uma pequena fábrica de tecelagem que tinha como finalidade proporcionar uma nova experiência para a juventude feminina da cidade. Irmãs, Noviças e Postulantes já engajadas na fábrica passaram a produzir seda, que por muito tempo foi vendida e serviu como fonte de renda para a Congregação.
O legado de Santa Paulina ainda continua vivo nos dias de hoje e está materializado também no Acolhimento Institucional (1) a mulheres em situação de rua, por meio do trabalho desenvolvido pela Casa de Acolhimento Santa Paulina, localizada em Itajaí (SC). A unidade, que faz parte da Rede Santa Paulina de Assistência Social, atualmente possui 15 metas de atendimento (entre mulheres e seus dependentes) e oferta hospedagem completa na modalidade de albergue feminino, com o objetivo de garantir proteção integral a estas mulheres e seus dependentes.
Sendo a mulher um dos públicos prioritários da CIIC, a Província Nossa Senhora Lourdes (PNSL), a qual pertence a Casa de Acolhimento, decidiu empreender ações continuadas, em conjunto com a Prefeitura de Itajaí, que possam proporcionar acolhimento, proteção, escuta e atendimento especializado a essas mulheres, para que as acolhidas e seus (as) dependentes sintam-se amparados(as) e protegido(as), bem como tenham seus direitos sociais assegurados.
A trajetória das mulheres na sociedade brasileira é marcada por inúmeras lutas sociais para garantir igualdade de gênero. Com o passar do tempo, obtiveram a garantia de direitos até então negados historicamente como, por exemplo, o divórcio, o voto, o emprego remunerado, a licença maternidade, dentre outros. Apesar desses avanços, percebe-se que o contexto social da mulher ainda é marcado por vulnerabilidades, expressas pela submissão à figura masculina, violência nas suas múltiplas faces, poucas oportunidades no mercado de trabalho e outros. Tais situações, por vezes, ocasionam uma desestabilização psíquica e/ou emocional, resultando em doenças mentais. Drogadição, alcoolismo, opção de ir morar nas ruas, perda/fragilização do vínculo familiar, baixa autoestima também fazem parte deste conjunto.
Em especial, constata-se nos dados estatísticos que o número de mulheres em situação de rua está crescendo consideravelmente no Brasil, embora ainda predomine a presença do gênero masculino. Com o aumento da demanda, as políticas públicas não dão conta de atender a essa população na sua totalidade, pois a situação está intimamente relacionada com o contexto econômico, político e social do país.
Para suprir a demanda que o Estado não consegue dar conta, algumas Organizações da Sociedade Civil desenvolvem trabalhos nessa área, acolhendo mulheres e contribuindo para que tenham suas vidas reorganizadas, de modo que fiquem protegidas, tenham acesso a informação, sejam atendidas pela Rede de Serviços (2), bem como tenham seu empoderamento feminino e autoestima fortalecidos e/ou reestabelecidos.
Situações como drogadição e/ou alcoolismo (ou abstinência de substâncias psicoativas), ausência de renda, saúde fragilizada e ausência de moradia são as principais demandas que as mulheres da Casa de Acolhimento Santa Paulina apresentam, bem como a não existência de vínculos familiares. Durante o tempo que estão na unidade, a equipe técnica tem a função de contribuir na resolução/diminuição destas vulnerabilidades, tanto com o trabalho interno da entidade, quanto com o auxílio da Rede de Serviços.
Acolher mulheres na sua totalidade nos dias atuais é mais do que disponibilizar um espaço físico (com boa estrutura, alimentação, vestuário e outros). É se doar como pessoa e profissional, é se sensibilizar com a luta do gênero feminino, é compartilhar tristezas e alegrias, é estar a serviço de quem carrega uma extensa bagagem (como mãe, filha, companheira), é proteger estas mulheres de tantos riscos e situações de vulnerabilidade, aos quais estariam sujeitas caso não estivessem no espaço institucional. E, por fim, é ter empatia, saber se colocar no lugar dessas mulheres sem julgá-las diante das suas histórias de vida, porque talvez muitos(as) de nós nunca sofreu na pele algumas experiências para querer “calçar a sandália alheia”.
Santa Paulina, durante boa parte de sua missão não estava sozinha, mas com Virginia, Teresa e tantas outras jovens que aderiram sua proposta. Juntas, dedicaram-se ao acolhimento a muitas mulheres. E, assim, a Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição foi fundada, dando continuidade aos ensinamentos de Santa Paulina e de suas companheiras, tendo como carisma a sensibilidade e a disponibilidade para servir.
Colaboração
Maria Salete Leite
Irmãzinha da Imaculada Conceição, Psicóloga da Casa de Acolhimento Santa Paulina.
Karina Amancio Rodrigues
Assistente Social da Casa de Acolhimento Santa Paulina.
Notas
1 – “Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual”. (CNAS, Resolução n° 109 de 2009).
2 – Saúde, Educação, Trabalho, Previdência Social, Assistência Social e outros.
Referências
DOU, Diário Oficial da União. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. CNAS, 2009.
BESEN, Pe. José Artulino. Madre Paulina uma surpresa de Deus. Editora Mundo e Missão. Florianópolis, 2009.
NEGRI, Irmã Terezinha Santa. Do Casebre para o mundo. História das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. São Paulo, 2014.