Mulheres empoderadas

A Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (CIIC) tem como uma de suas prioridades a atuação junto às mulheres. As Irmãs articulam, motivam e acompanham mulheres em situação de vulnerabilidade e risco, empoderando-as como protagonistas de mudanças. O processo de empoderamento feminino é um caminho longo e difícil de ser percorrido, mas que rende frutos belíssimos. O portal da CIIC entrevistou Sirlei Antoninha Kroth Gaspareto, autora do livro “Pedagogia da Semeadura: a Construção de Saberes pelo Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) no Programa de Sementes Crioulas”, no qual apresenta as mulheres camponesas do MMC, que ressignificaram e assumiram sua identidade feminista popular, na medida em que foram construindo práticas e elaborando saberes.

 

O QUE A MOTIVOU NO TRABALHO COM AS MULHERES CAMPONESAS?

SIRLEI – A gente nunca começa do zero, sempre há uma realidade que permeia nossas escolhas, nossas decisões, nossos engajamentos. Os melhores anos de minha vida foram marcados pela luta popular e se repete até hoje. Em diferentes contextos históricos, estive em diversos espaços. A partir de minha inserção social na Igreja, em 1986, pertencendo à Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (CIIC), me foi designada a missão de contribuir como Agente de Pastoral na Paróquia Santa Inês, Quilombo (SC). Nessa paróquia, naquele tempo, não somente as mulheres, mas o conjunto de trabalhadores (as) – cristãos e cristãs – viviam de forma muito intensa um movimento que unia fé e vida.

A Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) me colocou frontalmente no contato com os pobres, com as mulheres, com os povos indígenas, com os negros e com as minorias.

A figura de Jesus Cristo foi exercendo grande influência sobre mim, mas o que fundamentou minha inserção junto às mulheres camponesas foi a realidade de opressão, exclusão, dominação que ia sendo desvendada, frente a uma formação baseada na teologia feminista, que apresentava um outro Jesus, cujas atitudes diante das mulheres começavam a serem lidas, interpretadas e entendidas no sentido de reconhecer a mulher com a mesma dignidade do homem.Vinha à tona a questão da igualdade. “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois são todos iguais em dignidade!”

Posso dizer e reafirmar que, tanto na Igreja e na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, há nomes influentes em minha formação, que me levaram a fazer essa escolha junto às mulheres. Entre estes nomes destaco o testemunho de fé e amor aos empobrecidos e aos doentes, na atitude de Madre Paulina ao abraçar carinhosamente uma mulher cancerosa.

 

CONTE SOBRE O PROCESSO DE EMPODERAMENTO DAS MULHERES DO MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS (MMC).

SIRLEI – Lindo, longo, conflitivo, instigante esse processo. O que mais me chama a atenção nesta experiência das mulheres camponesas em movimento, em luta, foi e continua sendo a garra, a coragem e a capacidade dessas agricultoras/camponesas enfrentarem a realidade de seu tempo e de hoje, as rupturas que precisaram e precisam ser feitas e, em meio à luta pelos direitos, elas foram construindo sua própria ferramenta – o MMC. Sempre gosto de destacar o processo de construção de saberes e compreender como o conhecimento foi sendo construído, elaborado e reelaborado, possibilitando significados diferentes para o que talvez possamos compreender como empoderamento. O encontro dessas mulheres com a agroecologia, como ciência e como modo de vida, as levou ao enfrentamento a um modelo químico convencional de agricultura muito propagado com o nome de Modernização do Campo. O processo permanente de sensibilização a partir do que fazem, do que vivem, do que começam a ressignificar. A produção dos próprios alimentos saudáveis. O resgate de sementes crioulas. A criação de novas práticas. O repensar a família, os filhos a partir de outras concepções de relações de gênero, de classe, de geração. Os intercâmbios. A elaboração de estratégias novas de resistência. As reuniões, as oficinas, as visitas que fazem entre si. A luta por educação, pelo acesso à escola, a luta por direitos… foi com certeza empoderando essas mulheres camponesas.

 

NAS REALIDADES URBANAS HÁ MUITAS MULHERES GRITANDO POR LIBERDADE. A SRA. CONHECE ALGUM TRABALHO NA MESMA LINHA DO MMC NO MEIO URBANO? QUAL?

SIRLEI – Sim, muitos trabalhos, certamente muitas experiências riquíssimas. Particularmente, cito o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Urbanas (MMTU), que na região do Oeste Catarinense ganha maior expressão. Especificamente a experiência do MMTU é mais forte no município de São Miguel D’Oeste (SC).

 

DIANTE DO CONTEXTO ATUAL, DE QUE FORMA AS MULHERES PODEM SE ENTREAJUDAR PARA QUE O EMPODERAMENTO ACONTEÇA DE FATO?

SIRLEI – As mulheres do campo e da cidade já estão fazendo isso, obviamente não há receitas. Há perspectivas, orientações, rumos direcionamentos. E, creio que, neste contexto de reafirmação patriarcal capitalista, onde se intensifica a violência praticada contra as mulheres, o ódio instaurado contra LGBTIS e o retrocesso de direitos, será imprescindível a retomada do tripé que deu origem a essa linda história: estou me referindo ao trabalho de base, à formação/estudo e à luta em todas as suas dimensões, caracterizadas como uma luta de classes, uma luta a cerca de direitos e de valores. Destaco ainda que essa força potencial das mulheres encontra nos gestos, atitudes e valores humanitários elementos para sua continuidade. O engajamento em processos de humanização da vida, principalmente de quem mais sofre é por sinal uma das formas mais dignas de empoderamento para quem deseja construir uma sociedade mais justa e um mundo mais humano!

 

COMO A IGREJA PODE TRABALHAR O EMPODERAMENTO DAS MULHERES?

SIRLEI – Tenho como profunda convicção de que à Igreja compete acima de tudo a fidelidade ao Projeto do Reino de Deus, expresso e manifestado na figura de seu Filho Jesus Cristo, que dá visibilidade ao rosto de nosso Deus  – o Deus do Êxodo. Esse Deus que desce para o povo subir. Aprendi na CIIC que desde sempre Deus fez escolhas de onde nasceria seu Filho Amado. Porque não foi Roma – a grande cidade? Atenas – Cidade da cultura? Jerusalém? – Grande centro religioso? Palestina – Cafarnaum Centro comercial? A Trindade escolhe e vai para o interior da Galileia, Nazaré, a cidade menos importante. Lugar da periferia, pobre, humilde. Escolheram este povo. A mãe (Maria) não foi nenhuma princesa… Pobre, jovem simples de Nazaré, aberta aos clamores, cheia de sabedoria de Deus… que a exemplo das mulheres na Bíblia, se colocou a serviço da vida, da igualdade e da libertação, sempre beirando as margens e periferias do mundo. A Igreja, em especial às Congregações religiosas que são 100% compostas por mulheres, têm um papel fundamental nesses processos de libertação das mulheres e têm feito isso com muita qualidade, profetismo e determinação. Na minha concepção, fazer estas escolhas em defesa das mulheres, mães, sofredoras em diferentes contextos e realidades é a decisão evangélica mais acertada e sábia do ponto de vista de uma inserção pastoral a serviço da vida e da dignidade humana. Em Mateus 5, 14-15, está escrito “Vós sois a luz do mundo. Uma cidade edificada sobre um monte não pode ser escondida. Igualmente não se acende uma candeia para colocá-la de baixo de um cesto. Ao contrário, coloca-se no velador e, assim, ilumina a todos que estão em casa.” Como diz o poeta: Caminheiro, você sabe, não existe caminho, passo a passo, pouco a pouco… e o caminho se faz! Santa Paulina renova em mim a certeza de que a vida vale a luta e a luta vale a vida.

 

Sou grata à CIIC pelos ensinamentos, princípios e valores ali aprendidos. Esforço-me para viver o evangelho na dinâmica contraditória da vida que se alimenta desse processo, banhado pela junção entre fé e vida. Me sinto e me faço Igreja da Libertação junto com as mulheres camponesas e com o povo que luta sempre pela vida. Deixo a cada uma e a todas/todos um forte e carinhoso abraço. Afirmado que:

A luz que me abriu os olhos para a dor dos deserdados e os feridos de injustiça, não me permite fechá-los nunca mais enquanto eu viva. Mesmo que de asco ou fadiga me disponha a não ver mais, ainda que o medo costure os meus olhos, já não posso deixar de ver: A verdade me tocou, com sua lâmina de amor, o centro do ser. Não se trata de escolher entre  cegueira e traição. Mas entre ver e fazer de conta que nada vi ou dizer da dor que vejo para ajudá-la a ter fim, já faz tempo que escolhi! (Thiago de Mello)