Ação Pastoral da CIIC retoma Projeto Juventudes

Quais são os desafios enfrentados pelos jovens no Brasil hoje?

Na minha opinião, vendeu-se uma ilusão aos jovens de todas as classes sociais nos últimos anos, visto que até pouco tempo atrás o Brasil teve um crescimento econômico nunca visto, que, no entanto, não reverteu em políticas e oportunidades sólidas para as juventudes. Uma parcela de jovens, sobretudo de classe média, experimentou nos últimos quinze anos uma elevação do status social que os seus pais não haviam vivido ou que haviam sofrido muito para conseguir. No entanto, isso parece ter criado uma espécie de ilusão de facilidades, uma vez que “se vende” uma imagem de desenvolvimento e de projeto de futuro que nem sempre tem condições reais de se concretizar. Um dos exemplos mais claros foi o aumento dos níveis de educação, sobretudo superior, colocados como se fossem as condições para proporcionar estabilidade profissional e segurança em seus projetos de vida. Ao mesmo tempo, isso passa a ser bastante frágil, uma vez que a Educação Superior já não garante bons empregos e que o mundo do trabalho tem dificuldade de abrir portas para os mais jovens. Isso fica evidente em dois aspectos importantes: no mundo do trabalho, no final de 2016, o desemprego juvenil bateu recorde, ultrapassando os 25%; já no acesso à Educação Superior, temos visto nos dois últimos anos um corte muito grande nos investimentos, no número de vagas oferecidas e na precarização das políticas estudantis para garantir a permanência na universidade.

Há alguns anos a socióloga Regina Novas falou que a geração de jovens dos anos 2000 era marcada por três grandes medos: a) o medo de morrer: por causa da violência e dos altos índices de homicídio juvenil; b) o medo de sobrar: por causa das mudanças nos modos de produção e do aumento do desemprego; c) o medo de estar desconectado: devido ao avanço tecnológico e as dificuldades de estar inserido no mundo digital e nas redes sociais. Eu diria que nesta segunda década do século XXI há outro medo que repercute significativamente entre os jovens: d) o medo de ser discriminado: devido às crescentes ondas de incitação ao ódio, intolerância, bullying e preconceitos. Creio que estas situações precisam ser encaradas com seriedade pelos projetos educativos e pastorais, pois são realidades que nos interpelam a tomar posição e criar alternativas de superação.

Ainda falando dos/as jovens de hoje, acho que eles/as estão proporcionalmente mais diferentes das gerações adultas deste tempo do que se compararmos as gerações de jovens das décadas passadas com os adultos daquelas épocas. Isso tem a ver com a aceleração das mudanças sociais que temos vivido. Tudo muda muito rapidamente e os jovens mudam ainda mais rápido do que os adultos. Existem tendências que afirmam que a cada 6 anos temos uma nova geração, o que impacta na constituição das identidades juvenis, que não são nem piores nem melhores, são diferentes. Contudo, isso muitas vezes, não é bem compreendido pelas gerações adultas, diria que falta compreensão sobre o que significa ser jovem hoje.

Na periferia, muitos jovens morrem de forma violenta. Quais as principais causas de morte entre jovens?

Segundo o Mapa da Violência 2016, as três principais causas de morte entre os jovens são: homicídio, trânsito e suicídio. Entre os homicídios, a morte por arma de fogo é a mais evidente, principalmente atrelada aos elevados índices de violência urbana que temos presenciado no país. As mortes no trânsito constituem a segunda causa de maior incidência no país, relacionadas ao abuso de álcool e da imprudência. O suicídio, que já se constituía como a terceira maior causa das mortes de jovens no Brasil, passou a ter um destaque e uma preocupação nos últimos tempos, devido a dois fenômenos: a série televisiva “Thirteen reasons why” e ao jogo de desafios “Baleia Azul”. Estes eventos impulsionaram algo que já estava bastante presente em diversas realidades juvenis, que são os problemas psíquicos advindos de uma sociedade que tem dificuldade em acompanhar a formação dos jovens. Creio que as instituições sociais, sobretudo as famílias, os espaços educativos, o mundo do trabalho e as igrejas têm deixado a desejar nos quesitos ouvir, compreender e auxiliar os jovens. Seria muito interessante que estas instituições tivessem pessoas e espaços preparados para ouvir o que os jovens estão vivendo e o que eles têm a dizer, uma espécie de “escutatória” (como diria Rubem Alves), que pudesse compreendê-los e ajudá-los sem julgamentos morais e direcionamentos adultocêntricos.

Quais estados registram maior número de mortes entre jovens? Como mudar esta realidade?

O Brasil é um dos países com um dos mais altos índices de morte de jovens. Os dados mais recentes que temos foram divulgados no início de junho de 2017 através do Atlas da Violência 2017, relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que se baseia no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, para analisar a questão no país. De acordo com o levantamento, em 2015 aconteceram 31.264 homicídios de jovens no Brasil. Isso significa que foram mortos mais de 85 jovens por dia. Esses números são extremamente preocupantes, pois nem os países em guerra apresentam tais índices.

Os estados com os maiores índices são: Alagoas (118,9), Sergipe (118,2), Rio Grande do Norte (104,3), Ceará (101,9), Goiás (93,8), Bahia (92,2). Os números são relativos aos homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2015. A lista completa pode ser visualizada no gráfico abaixo:

 

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Fonte: Atlas da Violência 2017 – Infográfico/Estadão

Assim como olhamos para o passado e nos perguntamos como foi possível a escravidão, o Holocausto e o genocídio dos povos indígenas, possivelmente as gerações futuras olharão para a nossa sociedade e se perguntarão como foi possível termos matado tantos jovens. Isso é tão drástico que várias campanhas e ações têm chamado este fenômeno de “extermínio da juventude” ou de “genocídio da juventude”.

Esta realidade só poderá ser mudada se houverem políticas públicas eficientes, assim como articulações entre as diversas instituições da sociedade civil, incluindo as igrejas e pastorais.

Em questão de políticas públicas, o que precisa avançar para que os jovens tenham uma vida digna?

O Brasil tem uma dívida histórica com as políticas públicas de juventude (PPJ), pois, somente em 2005, passou a ter a sua primeira grande política voltada para jovens que foi o PROJOVEM. Neste mesmo ano criou-se a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude. Estes foram os primeiros passos que estruturaram o início das PPJs no país. Logo após foram criadas as Conferências Nacionais de Juventude e, finalmente, em 2013, foi aprovado o Estatuto da Juventude (Lei 12.852). O estatuto prevê uma série de 11 direitos básicos para as juventudes, que são eles: Do Direito à Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil; Do Direito à Educação; Do Direito à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda; Do Direito à Diversidade e à Igualdade; Do Direito à Saúde; Do Direito à Cultura; Do Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão; Do Direito ao Desporto e ao Lazer; Do Direito ao Território e à Mobilidade; Do Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente; Do Direito à Segurança Pública e ao Acesso à Justiça.

O grande desafio da atualidade é fazer com que estes direitos, que hoje estão garantidos em forma de lei, sejam colocados em prática. Se isso acontecer, a tendência é de que os jovens tenham uma vida digna e com maiores possibilidades de realização pessoal.

Contudo, nos últimos três anos temos presenciado um desmonte das políticas públicas no Brasil, inclusive na área das juventudes. Isso faz com que os poucos avanços que haviam sido alcançados estejam sendo perdidos de modo impactante para as realidades juvenis.

A Congregação tem como uma das prioridades os jovens e se faz presente junto a eles em alguns locais onde atua. De que forma este trabalho contribui para a valorização da juventude? Quais são os próximos passos na missão com os jovens?

A Congregação das Irmãzinhas com coragem profética está retomando o seu Projeto das Juventudes que havia sido executado entre 2009 e 2014. Esta é uma decisão importante, pois ela está acontecendo num período histórico em que os jovens mais precisam, visto que nos últimos anos as diversas realidades juvenis têm sofrido consequências que lhes têm sido muito prejudiciais. Atualmente as juventudes correspondem ao segmento de maior vulnerabilidade social e necessitam muito de apoio por parte das instituições que acreditam no seu potencial. No âmbito da Congregação, alguns dos próximos passos são:

– finalizar a sistematização a reescrita do projeto (2º semestre de 2017);
– estruturar uma equipe de acompanhamento do projeto (ao longo de 2017);
– prever uma assessoria de apoio permanente ao projeto (2º semestre de 2017)
– criar uma seção de/sobre juventudes no site da Congregação para compartilhamento de materiais e subsídios de juventude (até o final de 2017);
– realizar seminário de formação com as Irmãzinhas (janeiro de 2018);
– promover um curso de formação sobre Políticas Públicas de Juventude (julho de 2018);
– incentivar a formação permanente de Irmãzinhas, leigos e jovens sobre o tema das juventudes;
– aprofundar o trabalho com jovens nas diversas áreas de missão da Congregação.

Quais outras considerações você gostaria de fazer sobre o trabalho realizado pelas Irmãzinhas e com as Irmãzinhas?

Vejo como um sinal profético o envolvimento das Irmãzinhas com as juventudes, sobretudo neste período tão difícil para os/as jovens. O Papa Francisco nos pede que sejamos uma “Igreja em saída” e eu percebo que a intenção das Irmãzinhas de ampliarem e aprofundarem o seu trabalho junto aos/às jovens, sobretudo os que se encontram em situação de vulnerabilidade social e de risco, é um sinal claro de caminhar na direção deste desafio. Para isso será necessário fazer investimentos, ter formação e desenvolver projetos nas realidades locais que tenham impactos na vida cotidiana dos/as jovens. A partir dos primeiros passos dados, vejo com esperança este caminho que está se descortinando e que promete produzir bons resultados.

 

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